quarta-feira, 20 de março de 2013

fratura exposta


 

Montgomery foi o epicentro do movimento pelos direitos cívicos. Foi aqui que Rosa Parks recusou ceder o lugar a um homem branco num autocarro, num gesto que contaminou uma irreversível cadeia de acontecimentos. Iniciou o boicote dos autocarros pelos passageiros afroamericanos, do qual emergiu a liderança de um jovem pastor baptista, Martin Luther King. Já não havia volta atrás. Anos mais tarde, a marcha pelo direito ao voto (consagrado, mas tornado quase impossível pelo processo de registo), começaria em Selma para acabar em Montgomery. Outros acontecimentos teriam lugar perto, em Mobile, em Birmingham.

Orgulho, pensei. Cedo demais. Morreram pessoas, lembra-me quem me acolheu. E eu sabia. Montgomery tem má fama, insistiu. Fui largando a minha excitação pateta à medida que tropeçava nas pedras. Culpa e vergonha.

E aquele dia em que parámos numa venda de garagem.

Peguei num taco de baseball velho, medi-lhe o peso, imitei o gesto. O dono da venda de garagem aproximou-se, pegou no taco, disse meia dúzia de coisas, de que só entendi “blacks”, uma palavra que quase nunca ouvi aqui, apesar de haver outra pior. A linguagem corporal do homem, a forma como ele pegou no taco, os olhos aflitos das pessoas que me acompanhavam e, num minuto, estávamos fora dali. Sem entender tudo, eu tinha percebido. Antes de perguntar para ter a certeza, os pedidos de desculpa multiplicaram-se. Foi tão constrangedor para as pessoas que me acompanhavam que só dias depois consegui perguntar o que o homem tinha dito.

Que se fossem os negros, pegariam no taco de outra maneira, foi o que ele disse, mimando o gesto de quem vai partir alguma coisa.

Partir alguma coisa. Ou bater em alguém, que foi o que vi fazer aquele homem alto, rosado, de chapéu caqui, com o neto de dois anos aos pés. Desejo estar enganada.

No Civil Rights Memorial um enorme pendão: “The march continues”. Lá dentro, encontramo-nos com quem se comprometeu com o caminho, abdicando de segurança e conforto, o diretor da revista do Southern Poverty Law Center. A instituição começou por se concentrar em processos legais, mas nos últimos 15 anos investiu na revista, uma publicação única, que junta o que normalmente, e bem, vai separado: ativismo e jornalismo. Usando as ferramentas do jornalismo de investigação, fazem a monitorização dos grupos de ódio e terrorismo doméstico nos Estados Unidos, organizações xenófobas e racistas (também de ‘supremacia negra’), anti-gay, alimentadas por teorias da conspiração e pelo ‘lobby’ das armas. O objetivo não é só saber quem eles são e onde estão, mas, muito claramente, destruí-los com armas de papel. Um artigo revelando que os pais de um determinado ‘líder’ anti-semita são judeus pode aniquilar uma completa organização, por exemplo.

A publicação é quadrimestral e gratuita, para não fazer concorrência à imprensa tradicional, que recebe frequentemente informação privilegiada, exclusivos, notícias em primeira mão. A segurança para entrar no edifício é apertada, um milhão de dólares anuais para proteger um alvo. Trabalham na revista 15 pessoas que nunca aparecem em público, com exceção dos diretores. Não são idealistas panfletários. São jornalistas, incluindo um antigo repórter do New York Times com um Pulitzer em casa.

O Southern Poverty Law Center trabalha também na educação para a tolerância. Estão na prevenção e combate ao bullying contra alunos gays, latinos, afroamericanos, estudantes com deficiência. A “Teaching for Tolerance” edita uma revista, guias de boas práticas, material didático de grande qualidade para professores e alunos. E promove coisas tão simples como um dia em que em cantinas escolares de todo o país os alunos se sentam ao lado de alguém que não conhecem, um colega com quem nunca falaram.
The march continues.





 

 

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